A simplicidade e eficácia do 360º: Continue a, Comece a, Pare de…

 em Artigo
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Djane Tomé Sant Anna

Artigo  publicado na Revista Coaching Brasil. Edição 39

“Acima da entrada para o templo de Apolo em Delfos foi escrito “Conhece a ti mesmo”. A inscrição famosa permanece tão válida hoje como era há milhares de anos. Para serem eficazes,  executivos têm que começar com eles. Eles têm de compreender as razões para fazer o que fazem.Eles têm que estudar a sua  motivação humana de dentro para realmente entender o que está acontecendo do lado de fora.”

– A Auditoria da Personalidade por Manfred Kets de Vries (2003)

Quando recebi o convite para escrever sobre uma ferramenta  de coaching eu logo pensei…Que ferramenta escolher? Na minha prática como Coach eu faço pouco uso de ferramentas, formulários , questionários e inventários.

Acho uma excelente iniciativa da Revista trazer esta reflexão sobre o uso de ferramentas – necessidade, eficácia e pertinência.

Muitas vezes , em encontros, supervisões e mentorias, vejo colegas coaches, que usam muitas  ferramentas,mas com dúvidas sobre o resultado na performance do seu cliente.

Não pense você  leitor que sou contra o uso das ferramentas, mas acredito  que o coach precisa estar muito atento para não ficar “preso” ao seu uso ,ou mesmo ao  uso inadequado e principalmente não se esquecer dos seguintes pontos fundamentais:

  1. Qualquer ferramenta vai mostrar aspectos do comportamento, competências e ou estilos do cliente no máximo como uma foto, mas o cliente é sempre no mínimo um filme.
  2. O cliente é sempre “dono” da agenda de trabalho do Coaching,e o Coach deve ter um estado de presença constante e atento a aspectos que as vezes nem o cliente percebe.A ferramenta pode facilmente desviar esse foco, se não muito bem trabalhada, as vezes até podendo exercer um fascínio pelo resultado em si e não pelo processo que desencadeia.

Focados esses pontos, aí sim, teremos  sucesso com a utilização de ferramentas.

A International Coach Federation , ICF, define coaching como uma parceria com os clientes em um processo instigante e criativo que os inspira a maximizar seu potencial pessoal e profissional, desta forma, toda e qualquer ferramenta deve servir a este propósito.

Se a ferramenta estiver a serviço do cliente, se for ajudá-lo a aumentar seu grau de consciência e ampliar seu entendimento sobre a questão, daí vale a pena!

Eliana Dutra, em seu livro “Coaching, O que você precisa saber” alerta sobre a necessidade de através de  entrevistas ou da relação chefe/subordinado de se obter um conhecimento aprofundado da pessoa para poder se estabelecer seus pontos fracos em sua atuação na empresa.

Nunca é demais lembrar que o sucesso de um processo de coaching está no seu cliente alcançar o resultado que ele mesmo determinou e que mais do que qualquer ferramenta faz diferença a capacidade do Coach em criar uma “tenda da confiança”, em fazer um “bom contrato”, de estar absolutamente presente na sessão , conseguir  fazer perguntas  que mobilizem , ter uma  escuta ativa, amorosa  que  ajude seu cliente a descobrir , aprender , praticar e criar a ponte entre o seu  pensar, sentir a agir..

Quando há a necessidade, no  processo de coaching, do cliente ter acesso a outras opiniões acerca de seu comportamento , o coach precisa estar atento e inteiro no processo para propor um exercício de trazer “outros olhares”.

Este é o momento adequado de se propor uma ferramenta de feedback de 360o .

Existe uma enorme lacuna entre o que eu acho que faço e como o outro sente e enxerga o que eu faço. Foi pensando nisto que escolhi a ferramenta que agora apresento a vocês :  “Pare de , Continue a e Comece a ”.

Thomas J. Delong , professor  de Comportamento Organizacional da Harvard Business Scholl, escreveu um artigo  : Three Questions for Effective Feedback, chamando esta ferramenta de SKS – Stop, Keep and Start. Neste artigo ele relata como esta ferramenta simples é de grande eficácia, pois acaba com a fantasia do que o outro pensa de mim, e informa claramente o  que poderia parar de fazer, continuar e começar

Konstantin Korotov, Prof e Diretor do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Liderança do ESMT – European School of Management and Technology, junto com Prof Manfred Kets de Vries, mencionam como esta avaliação 360o pode ser simples, com perguntas diretas e   agregar um enorme valor a percepção de si mesmos.

Perguntas como : O que faz bem? O que poderiam continuar fazendo?  o que poderiam parar de fazer ? e o que poderiam começar a fazer?

Em suas pesquisar, Prof Korotov notou que o grau de eficácia era maior quando as pessoas que respondiam estas perguntas pertenciam a grupo extra profissional, como amigos e familiares.

De uma forma geral, as pessoas , e em especial os executivos até estão acostumados com 360o dentro das organizações e a receber feedbacks profissionais,  mas quando isto é aliado a pessoas que normalmente não estão neste contexto, há uma surpresa e uma descoberta de como um comportamento tem impactos semelhantes na vida pessoal e profissional.

A primeira vez que tive contato com esta ferramenta foi na minha formação na SBDG – Sociedade Brasileira de Dinâmicas de Grupo, e foi utilizada em grupo.

Cada pessoa recebia uma folha em branco, colocava seu nome do lado direito da folha e depois fazia 3 colunas. Em cada coluna escrevia a frase :

 

Parar de:                        Continuar a:                            Começar a:

 

Esta folha “rodava “o grupo todo e quando voltava para as minhas mãos eu tinha um “mapa”da percepção do grupo sobre meu comportamento. Guardo a minha folha até hoje! Ela foi muito útil  no meu processo de desenvolvimento.

Numa das minhas formações como Coach, esta ferramenta foi apresentada como uma forma bastante poderosa de receber feedback dos familiares, amigos , pares,  gestores e equipe.

Esta ferramenta consiste então, em um arquivo que contem uma tabela:

Parar de:(comportamentos que você observa em mim e que atrapalham o meu desempenho ou prejudicam os meus relacionamentos) Continuar a:(comportamentos que você observa em mim e ajudam o meu desempenho ou favorecem os meus relacionamentos) Começar a:(Comportamentos que acho que você poderia desenvolver)

 

Como usar a ferramenta:

O cliente escolhe pessoas de seu círculo pessoal, familiar e profissional , eu recomendo no mínimo 9 pessoas, 3 pessoas da família, 3 amigos ( fora do âmbito profissional) e recomendo o gestor, pares, clientes internos / externos e algumas pessoas da equipe.

Sempre lembro meu cliente que cuide para que não escolha aquelas pessoas que ele tem maior afinidade, “seus amores”, mas que convide para responder aquelas pessoas que ele pode ter tido alguma desavença, algum conflito. O maior benefício em ter esta visão 360o é dele próprio.

O cliente então distribui o arquivo para seus “escolhidos” e pede que respondam direto para seu coach.

Eu recebo os arquivos preenchidos e aqui há um cuidado na aplicação da ferramenta, pois há necessidade de checar se as respostas estão com as informações suficientes.

Respostas como : Continue a ser comprometido, não é uma resposta que nos ajuda a entender qual o comportamento que deve ser mantido.

Há necessidade de se pedir um exemplo…”quando você acha que o João esta comprometido ele esta fazendo o que? Pode me dar um exemplo?

Esta comunicação parte do coach para a pessoa que respondeu, por email.

Minha intenção é descobrir qual o comportamento observado, chegar no :

Ele é comprometido, pois entrega o relatório de sua responsabilidade sempre no prazo e na qualidade necessária. Ele trouxe,no último ano,  2 idéias para controle do custo, implementou e treinou o restante da equipe nesta nova forma de agir.

Em uma ocasião estava trabalhando com um cliente uma demanda para ser mais organizado. Ele dizia que achava que precisava  ‘melhorar’ este comportamento, mas que na sua rotina isto não o incomodava.

Quando fomos explorar, investigar, como as pessoas o percebiam, este cliente não sabia responder…

Ele não conseguia imaginar o impacto deste comportamento na sua equipe.

Propus o 360o e ele surpreendeu com o resultado, pois percebeu que a sua organização ( ou a falta dela) causava um grande incomodo na sua equipe e na sua família. Ele conseguiu pensar em ações simples e de alto impacto inclusive no clima da sua área.

Esta ferramenta, até pela sua simplicidade é muito fácil de ser preenchida, todos nós conseguimos pensar em comportamentos que podemos continuar, manter ou parar de fazer.

As informações chegam com os comportamentos separados por cores:

Comportamento que devem ser continuados em azul, começados em verde e extintos  em vermelho.

Deve-se então, recortar e colocar num envelope, todos os feedbacks de todas as pessoas que responderam misturados .

O cliente então vai tirar do envelope, resposta a resposta e vai separar da forma que ele achar mais adequado. Ele pode separar por cor, por competência, por afinidade, etc.

Konstantin Korotov, comenta que este 360o não precisa ser anônimo, pelo conteúdo do texto, pelo exemplo que a pessoa deu, o cliente consegue facilmente identificar quem escreveu, mas o foco não é identificar o respondente, mas o que, o conteúdo é mais valioso e é o que realmente importa.

Esta sessão costuma ser muito marcante no processo, e apenas uma sessão costuma não ser suficiente.

Após a abertura do envelope e do revelar das várias opiniões, o cliente pode escolher três comportamentos mais significativos, que têm mais impacto na meta escolhida e elaborar então um plano de ação.

É recomendável que desta sessão, o cliente identifique se há necessidade de uma conversa pessoal para esclarecimento, pedido de mais exemplos ou dúvidas com uma ou duas pessoas que responderam  o 360o.

Enfim, uma ferramenta simples, com perguntas claras e diretas, mas que podem realmente alavancar o processo de auto conhecimento.

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