A EMPRESA É LUGAR NATURAL DE CONFLITOS

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 Tereza Vianna

Se a energia despendida na competitividade fosse gasta na busca da solução de problemas comuns, e não na tentativa de firmar posições pessoais nos jogos políticos inerentes às funções gerenciais, os resultados seriam muito mais saudáveis para todos.

Uma das primeiras histórias que a história conta para a maioria dos ocidentais não é de paz: Caim e Abel não conseguiram dividir o mundo todo em apenas duas partes; um matou o outro. De fato, o Homem é o único animal que não tem mecanismos inibidores de agressividade e a usa para muito mais do que a defesa estrita do seu território.

A seleção da humanidade se fez por muito tempo, segundo os critérios de agressividade. Como estranhar que a empresa, lugar do Homem, seja também lugar de conflito?

A empresa torna-se um lugar privilegiado para os conflitos, quando pensamos que, além de todas essas reflexões, os critérios seletivos usualmente utilizados são altamente “colaboradores” de situações conflitivas.

Quando uma empresa seleciona um arquivista, geralmente procura uma pessoa com características como organização, concentração e de preferência, pouca ambição. Quando a seleção interna funciona nos planos de carreira, os critérios para ascensão gerencial são muito diferentes. Nenhuma empresa procura gerentes pouco ambiciosos, mas, ao contrário, ela os quer agressivos e com “ garra”.

Durante a sua carreira, os critérios de avaliação pelos quais os gerentes são submetidos são impulsores de competitividade e agressividade. Dessa forma, à medida que a pirâmide organizacional se afunila, aumenta o número de agressivos no meio, ao mesmo tempo em que a oferta de poder evidentemente também se afunila.É natural, portanto, que a agressividade exigida pelo meio transforme-se em conflito entre os pares, subordinados e superiores, uma vez que a procura de poder não é inelástica como a oferta.

Se o residual agressivo não for trabalhado com maturidade e inteligência, os “ jogadores” desse esquema podem pagar altos preços pessoais, bem como a Organização como um todo, que vê os seus resultados comprometidos pelo processo.

Se a energia despendida na competitividade fosse gasta na busca da solução de problemas comuns, e não na tentativa de firmar posições pessoais nos jogos políticos inerentes às funções gerenciais, os resultados seriam muito mais saudáveis para todos.

Isso resulta em uma densidade extrema de situações, em que se combinam as diferentes etapas de três caminhos principais ( segundo Mary Parker Follet, “ The Collected Papers of Mary Parker Follet” , Harper and Brothers Publishers, 1940, e segundo Michel Fustier “ O Conflito na Empresa” . Ed. Martins Fontes):

1-O caminho da recusa do conflito, que conduz à impossibilidade ou recusa do diálogo, inquietação, irritabilidade, ansiedade e até a estados graves de neurose. O conflito reprimido é, de certa forma, mantido pelas competências gerenciais comuns às organizações. A empresa é um lugar onde se trabalha e se fala pouco. As opiniões são “censuradas”, gerando contatos superficiais. Nesse ponto , os superiores, de modo mais incisivo que os subordinados, são privados das informações reais e, às vezes, indispensáveis. Não é incomum encontrarmos chefes cercados de “homens fiéis”, funcionando como muralhas de aprovação, lealdade, cooperação, que os protegem de informações indesejáveis.

2-O conflito declarado é o caminho da guerra, da luta que resulta da intenção declarada das partes em confronto, de recusar a outra. No caminho do conflito declarado, a situação dos adversários agrava-se, comparada com o caminho do conflito reprimido; cada um vê o outro através da ótica da sua insatisfação; os gestos mais simples são mal interpretados, as comunicações mais elementares não são mais aceitas. Objetivos não são alcançados pelo desgaste de tempo e energia em lutas pessoais.

3-O conflito assumido é o caminho da solução do problema, onde cada uma das partes aceita examinar com a outra a situação criada e leva seu esforço até a colocação em prática de uma solução. O conflito é transformado num problema a ser resolvido. Transformar um conflito num problema a ser resolvido é uma atitude mental que não está à disposição das pessoas no momento em que elas precisam. É uma forma de encarar as coisas, que depende tanto dos valores de um indivíduo quanto das competências gerenciais vigentes no contexto organizacional, em que ele está vivendo. Restabelecer as comunicações numa organização significa desde o restabelecimento das comunicações do Homem consigo mesmo, até as dele com a empresa.

Ao longo do processo de socialização, introjetamos uma matriz autoritária disseminada na família e na escola. Ela se fará presente em todas as relações interpessoais do adulto. Portanto, o caminho do conflito assumido como prática organizacional, não será conseguido apenas pela disseminação deliberada desse valor, mas pela operacionalização desse valor em todas as competências gerenciais e pela consideração indispensável dos processos individuais de relação com a autoridade.

Os conflitos nas empresas se encadeiam e se multiplicam. A ausência deles, sonho de muitos, seria estagnação dos processos sociais. A resolução deles, a resolução real, sem proposições provisórias de compromissos não efetivos, permite a evasão dos indivíduos de seus quadros rígidos de referência e a utilização de seu potencial criativo, resgatado para o progresso das instituições e das pessoas.

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